GALVÃO FILHO, T. As novas tecnologias na escola e no mundo atual: fator de inclusão social do aluno com necessidades especiais? In: Anais do III Congresso Ibero-Americano de Informática na Educação Especial, Fortaleza, MEC, 2002.

 

AS NOVAS TECNOLOGIAS NA ESCOLA E NO MUNDO ATUAL: FATOR DE INCLUSÃO SOCIAL DO ALUNO COM NECESSIDADES ESPECIAIS?

 

Teófilo Galvão Filho

www.galvaofilho.net

 

 

 

Resumo:

Para que se possa prever ou avaliar os benefícios das novas Tecnologias de Informação e Comunicação no processo de inclusão social de alunos com necessidades educacionais especiais, é vital detectar o contexto no qual essas tecnologias são inseridas, tanto o educacional, quanto o contexto social. Busca-se, aqui, justamente introduzir essa análise de contexto. Por meio dela, é possível constatar que, com paradigmas baseados na padronização arbitrária de expectativas e resultados e na memorização de informações, a tendência é a exclusão social do aluno, pelo reforço a sua dependência e passividade. De outra forma, quando as interações ocorrem a partir de modelos que valorizem a iniciativa e a autonomia desse aluno, como sujeito na construção dos seus conhecimentos, é possível perceber passos efetivos em direção à sua inclusão social.

 

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1. Introdução: De que modelos de educação e sociedade estamos falando?

 

       Para tentarmos responder à pergunta do título deste artigo, entendemos ser necessário refletir, primeiro, sobre uma pergunta anterior: de que modelos de educação e sociedade estamos falando? Desejamos demonstrar que, em função da resposta que se dê a essa pergunta inicial, radicais variações poderão ser encontradas na resposta àquela outra.

       Philippe Perrenoud, comentando sobre o novo mundo em que crescem as crianças de hoje, um mundo no qual elas dominam desde muito cedo as novas tecnologias, que influem determinantemente em seus cotidianos ( “As crianças nascem em uma cultura em que se clica...”), faz a seguinte afirmação:

 

“A escola não pode ignorar o que se passa no mundo”.

(PERRENOUD, 2000)

 

       Soa dolorosamente sintomática esta afirmação... Que escola é esta, que modelo educacional é este, sobre o qual é necessário explicitar tal afirmativa? Ela não deveria ser considerada como extremamente elementar e óbvia? Não deveria ser óbvio que a escola deve estar sempre “plugada”, sempre “antenada”, interagindo e dialogando com o que ocorre no mundo?...

       Sim, deveria. Entretanto, infelizmente, um conjunto de circunstâncias faz com que esse alerta de Perrenoud se torne dramaticamente atual e pertinente.

       Embora já se multipliquem os movimentos para transformar o modelo educacional escolar no qual estamos imersos, premidos pelas aceleradas transformações que ocorrem nas sociedades e culturas e que o tornam mais evidentemente estéril, esse modelo ainda é marcadamente caracterizado pela rigidez, pela padronização massificada, pela transmissão e memorização de informações.

       Como faz notar Mantoan:

 

A educação escolar e o professor que a ministra não têm, no geral, um referencial de mundo que se compatibiliza com a realidade circundante e com seus possíveis avanços. O espaço educacional parece imune, preservado desses avanços, mantendo o velho, pela indiferença às mudanças do meio (MANTOAN, 1997).

 

       Esse modelo, de alguma forma, podia dar conta das necessidades do homem e das sociedades em outros momentos da história. Mas, hoje, vem tornando-se cabalmente inútil e anacrônico.

       Se pensarmos no homem do século XIX ou mesmo do início do século XX, perceberemos que para que este homem fosse considerado “formado”, ou “capacitado”, em uma determinada área, era suficiente que dominasse, ou retivesse na memória, ou mesmo tivesse rápido acesso a uma considerável quantidade de conhecimentos, que corresponderia ao saber acumulado, sistematizado e disponível em seu tempo, sobre a referida área. E isto era alcançado com alguns anos de estudos, utilizando principalmente a literatura mais recente e reconhecida sobre os assuntos estudados.

       E, a grosso modo, os conhecimentos que adquirisse em uma faculdade, por exemplo, continuariam válidos e úteis por praticamente toda a sua vida laboral.

       O saber e os conhecimentos disponíveis, portanto, eram bastante estáveis e perenes. Mudavam num ritmo lento. Cada nova descoberta e informação permanecia válida e atual por um período de tempo bem largo, demorando muito para ser superada e ficar defasada.

       Pensemos, por exemplo, em um laboratório de pesquisas, no início do século passado, em qualquer cidadezinha da França, que houvesse chegado a determinadas descobertas científicas. Essas novas descobertas, normalmente, deveriam ser apresentadas em congressos, publicadas em mídias especializadas, circular primeiro no meio científico, para, a seguir, serem publicadas para o grande público. Depois, viriam as traduções para outros idiomas e, só então, a circulação em outros países. Todo esse processo podia fazer com que se passassem muitos anos, até que essas novas descobertas pudessem efetivamente beneficiar populações de países mais longínquos, como o Brasil, por exemplo.

       As mudanças, portanto, eram bem lentas e um modelo educacional baseado na retenção e manipulação de informações transmitidas e memorizadas, podia, até certo ponto, dar conta das necessidades da sociedade daquela época.

       Hoje, isto já não acontece. Como enfatiza Lévy (1999), "pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso profissional estarão obsoletas no final de sua carreira".

       Em primeiro lugar, hoje as informações válidas, úteis, são muito mais efêmeras. Muito mais rapidamente ficam defasadas, superadas, inúteis mesmo, a partir de novas descobertas que as atropelam e superam, quase que a cada instante...

       Uma nova descoberta científica encontrada, em qualquer centro de pesquisa no mundo, tem possibilidades de ser acompanhada, em tempo real, por qualquer outro laboratório ou universidade, situado em qualquer país, no mesmo instante em que esta descoberta está acontecendo, via internet. E a partir dela, novas pesquisas são geradas, levando a novas descobertas também imediatamente disseminadas, superando as anteriores e assim por diante. O ritmo das mudanças é vertiginoso. Não existe mais aquele volume sólido e quase imutável de informações, já que novas informações são constantemente produzidas, experimentadas e disseminadas a nível mundial, e que também rapidamente se tornam defasadas.

       Em segundo lugar, é praticamente imensurável o volume de informações imediatamente disponível em cada área do conhecimento, hoje em dia. E isto faz com que nenhum profissional consiga, ao contrário de antigamente, ter o domínio e o controle de todas as informações relevantes geradas em sua área de atuação, por mais capacitado que seja esse profissional. Há sempre muitas e novas informações que lhe escapam. Como destaca Pretto:

 

As novas tecnologias da comunicação e informação estão possibilitando e influenciando a introdução de diferentes valores, de uma nova razão [...] A razão moderna não está mais dando conta de explicar os fenômenos desta sociedade em plena transformação (PRETTO, 1996)

 

Portanto, já não é mais possível nem útil formar um profissional a partir da transmissão e retenção das informações mais importantes de cada área.

       Então, quem é esse homem considerado formado, capacitado, segundo as necessidades e possibilidades da sociedade de hoje?

       Existe este homem?

       Quais seriam suas características?

       Analisemos, entretanto, alguns modelos educacionais presentes na trajetória desse homem, ontem e hoje.

 

 

2. Do ensino padronizante e massificado à aprendizagem significativa

 

a) Processo histórico

       Depois de analisar a evolução de diferentes sistemas de produção encontrados na história do homem (produção artesanal, produção em massa e produção "enxuta"), Valente (1999) propõe comparar os processos de mudança na Educação, traçando um paralelo com as mudanças ocorridas nos modelos produtivos na história.

       Analisando, em rápidas pinceladas, os três modelos de produção citados, vemos que as características do modelo de produção chamado de produção artesanal incluíam uma alta capacitação e habilidade do artesão, ferramentas flexíveis, produção personalizada e sob encomenda, qualidade excelente, pequenas quantidades e custo elevado. Somente uma minoria tinha acesso aos bens produzidos.

       Já a produção em massa surgiu a partir do processo de industrialização, com o objetivo de aumentar e padronizar essa produção, reduzindo os custos do produto, atingindo um maior número de consumidores, mas também com a possibilidade da diminuição da qualidade em relação à produção artesanal.

       Neste caso, na produção em massa, não é mais o consumidor que solicita a produção de determinado item, mas são técnicos que projetam o produto em função de sua possível aceitação no mercado, para depois oferecer o mesmo a este mercado. Segundo Valente (1999), o modelo da produção em massa é o empurrar (push): “o planejamento da produção é ‘empurrado’ para os operários, que ‘empurram’ as subpartes na linha de montagem e o produto final é ‘empurrado’ para o cliente, que deve ser convencido de consumí-lo.” É o modelo chamado "taylorista-fordista".

       Segundo define Antunes:

 

[...] entendemos o fordismo fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro fordista e produção em série taylorista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções (ANTUNES, 1995).

 

       O novo modelo de produção chamado "enxuto" (ou "acumulação flexível", ou "toyotismo": Antunes, 1995) surgiu a partir das contradições internas do modelo de produção em massa e também pelo surgimento das novas tecnologias utilizadas na produção.

       Deve ficar claro que estes novos paradigmas emergentes continuam situados dentro de um contexto de modelo capitalista, portanto, com características próprias. Para Harvey, como cita Antunes:

 

[...] a acumulação flexível, na medida em que ainda é uma forma própria de capitalismo, mantém três características essenciais desse modelo de produção. Primeira: é voltado para o crescimento. Segunda: este crescimento em valores reais se apóia na exploração do trabalho vivo no universo da produção e, terceira: o capitalismo tem uma intrínseca dinâmica tecnológica e organizacional (ANTUNES, 1995).

 

       Como principal característica desse modelo de produção chamado “enxuto”, temos a busca de combinar as vantagens da produção artesanal –grande variedade e alta qualidade – com as vantagens da produção em massa – grande quantidade e baixo custo (VALENTE, 1999).

       Se o modelo fordista, ou de produção em massa, era baseado no “empurrar” (push), como vimos antes, já o modelo enxuto é caracterizado pelo “puxar” (pull) a produção, como chama a atenção Valente (1999), significando que o início da cadeia produtiva é iniciada pelo cliente, que demanda determinado produto e essa demanda “puxa” toda a produção. Com esse tipo de produção, se eliminam desperdícios e estoques, já que a produção ocorre somente quando há a demanda – produção just in time.    

       Sobre as novas tecnologias relacionadas a este modelo, esclarece Márcia de Paula Leite que:

 

[...] a expressão ‘inovação tecnológica’ não deve se restringir às transformações incorporadas nos equipamentos, mas abarcar também as novas tendências de organização do processo de trabalho. Por outro lado, a inovação vem sendo relacionada a um conjunto de modificações sociais e econômicas que têm levado os estudiosos a concluir que um novo modelo econômico está sendo construído em substituição ao paradigma fordista (LEITE, 1994).

      

Os sinais e resultados desse novo modelo podemos detectar facilmente em nossa sociedade, nos supermercados, por exemplo, com a reposição dos estoques depois da venda, ou nas máquinas automáticas de venda de jornais e refrigerantes, ou nos restaurantes e postos self-service, ou, já utilizando os novos recursos da informática e telemática, nos bancos 24 horas, com o cliente “puxando” a produção segundo as suas necessidades (LEITE, 1994; VALENTE, 1999).

       Traçando, então, um paralelo entre essas mudanças nos modelos produtivos com o que tem ocorrido na Educação (VALENTE, 1999) vemos que, quando da vigência do modelo produtivo artesanal, o modelo educacional correspondente era o mentoreado, uma educação também “artesanal”, com professores particulares (mentores) para uma minoria previlegiada, membros da corte ou de famílias ricas. Já com o modelo de produção em massa, o fordismo, surgiu um modelo de educação também de massa, mais urbano que o anterior, com a escola visando “empurrar” informações a um número cada vez maior de alunos. A escola seria uma espécie de “linha de montagem”, onde o aluno vai sendo “montado”, ou (in)formado, pelos professores, passando por diversas fases.

       O grande problema é que a realidade da educação escolar praticamente "estacionou" neste modelo padronizante há mais de um século, tornando-se quase impermeável à realidade das mudanças que têm ocorrido no mundo. Conforme Mantoan:

 

Muitas são as razões que explicam a impermeabilidade entre ambas; uma delas, sem dúvida, é a rigidez dos sistemas de ensino escolares, que se mantêm fechados, esclerosando-se pouco a pouco, pelo entupimento de seus canais de comunicação com o mundo exterior (MANTOAN, 1997).

 

       Como vimos no início, esse modelo de educação em massa, com a transmissão e memorização de informações, já não responde às necessidades do indivíduo e da sociedade de hoje, na medida em que a atualidade e validade das informações têm uma duração muito mais efêmera no mundo atual.

       Como seria, então, esse modelo de "educação enxuta”, que responderia às necessidades do indivíduo no mundo atual? Como seria esse indivíduo formado hoje?

       Antes, porém, analisemos os diferentes percursos e etapas vivenciados pelo aluno, em seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.

 

b) Aprendizagem significativa

            Comentando sobre a importância da ludicidade e do envolvimento pessoal do aluno para o seu processo de aprendizagem, afirma Bruner: "acredito que a brincadeira seja essencial para a evolução do uso de instrumentos" (BRUNER, 1976).

Mas é interessante notar a mudança brusca, em seu modelo de aprendizagem, quando uma criança é introduzida no ensino formal, na escola.

Até ingressar na escola, a criança aprende diversas coisas, como salientou Piaget, sem ser formalmente ensinada. O aprendizado ocorre por livre exploração, por imitação, e, fundamentalmente, por brincadeiras e jogos. A partir dessas atividades ela aprende a caminhar, a falar, a usar diferentes ferramentas e utensílios, aprende o sentido de diferentes conceitos, etc. Quando ingressa na escola, parece que toda essa metodologia própria da criança no seu aprendizado é bruscamente desvalorizada, quase desconsiderada. A partir daí, a criança deve ficar geralmente sentada, quieta, escutando e “aprendendo” aquilo que o professor e a escola acham que é importante que ela aprenda e da forma como eles acham que deve aprender... Toda aquela curiosidade natural da criança em pesquisar e testar seu meio, toda aquela metodologia que tanto a ajudou em seu desenvolvimento e aprendizado até aquele momento, parece que não tem mais valor. Tornar-se adulto, ou aprender, parece que é entendido como sinônimo de “deixar de brincar”, deixar de “pesquisar” movido pela curiosidade...

Quanto não teremos perdido nós, adultos, em potencial de aprendizagem, por termos sido condicionados a “desaprender de brincar”?...

E, assim, por longos anos, a escola “atrofia” no aluno o seu impulso natural para o aprendizado movido pela curiosidade, o seu impulso para a exploração do mundo e para a pesquisa, o seu impulso para a construção de uma aprendizagem significativa e diretamente relacionada com o seu ambiente, com os seus gostos e necessidades, diretamente relacionada com a realidade que o cerca.

        E a escola sai, então, atrás de “novos métodos” educacionais, desesperada por manter a motivação e o interesse do aluno, novos métodos que, muitas vezes, prometem “revoluções” na educação. Mas, se examinados mais de perto, verificamos que muitos desses “novos métodos” nem de longe analisam, ou questionam, os paradigmas educacionais em cima dos quais eles estão estruturados. Acontece, então, frequentemente, que modelos do século passado, que já não respondem às necessidades e anseios do homem e da sociedade de hoje, são ratificados, confirmados, por esses “novos métodos”, que na verdade muitas vezes não passam apenas de novas roupagens mais vistosas, novas “cascas”, colocadas em velhos e decrépitos paradigmas, totalmente defasados em relação a realidade atual.

        Após esses longos anos de um modelo de ensino massificado e padronizante, a escola só começa a oferecer ao aluno uma possibilidade séria de retornar, de forma aproximada, ao modelo de aprendizagem da primeira infância, somente na pós-graduação... Ou seja,  somente na pós-graduação é novamente oferecida ao aluno a possibilidade de aprender e produzir conhecimento através da exploração e da pesquisa. E o aluno passa, então, a ser chamado de “pesquisador”...

        Porém, chegando a este nível, com sua capacidade de pensar livremente atrofiada por longos anos de memorizações e de passividade, frequentemente o aluno só consegue produzir mesmo são repetições e “mesmices”, necessitando de um grande esforço para novamente libertar o seu potencial exploratório e criador, por tantos anos reprimido.

        Por que, então, essa aprendizagem significativa e contextualizada, construída através da metodologia própria da primeira infância (obviamente que elaborada de forma bem mais sistemática agora) só pode ser retomada, a sério, depois de tantos anos de ensino formal?

        Claro que há matizes e brechas em todos esses anos da aprendizagem escolar, através das quais o aluno consegue manter ainda vivo o seu espírito curioso e inquieto, ajudando-o a fazer as transferências necessárias que contextualizem, pelo menos em parte, as informações memorizadas. Sem falar em todos os outros ambientes, fora da escola, que favorecem uma aprendizagem significativa, os quais se multiplicam no mundo de hoje, e deixam a escola tradicional cada vez mais isolada e inócua.

        Porém, por que isso tem que ser vivenciado a despeito da escola? Por que não construir uma aprendizagem significativa dentro da escola, em toda a sua trajetória, da educação infantil até a pós-graduação? Por que não assumir, no ensino formal, um paradigma que confie e aposte no potencial e capacidades do aprendiz, que valorize sua iniciativa, sua curiosidade e desejo de pesquisar e aprender, que valorize os contextos de mundo nos quais está inserido, em todas as etapas de seu processo de aprendizado? Em seu questionamento ao modelo escolar tradicional, Papert declara:

 

Minha meta tornou-se lutar para criar um ambiente no qual todas as crianças - seja qual for sua cultura, gênero ou personalidade - poderiam aprender álgebra, geometria, ortografia e história de maneiras mais semelhantes à aprendizagem informal da criança pequena pré-escolar ou da criança excepcional, do que no processo educacional seguido nas escolas (PAPERT, 1994).

 

        O caráter padronizante do ensino tradicional deixa inúmeras “baixas” pelo caminho. Quem não se enquadra e não dá a resposta esperada pelo sistema é imediatamente penalizado, quando não rejeitado e excluído. É do conhecimento geral as estatísticas com os alarmantes números de repetência e abandono escolar no nosso país, que têm no modelo padronizante uma de suas principais causas.

        Onde nos levaria um paradigma educacional diferente, através do qual fosse admitida uma maior flexibilização da esperada uniformidade de resultados? Onde fosse admitido que os alunos pudessem chegar a “lugares diferentes” uns dos outros, atingissem diferentes níveis em função de seus diferentes potenciais e diferentes "amplitudes" de suas “zonas  de desenvolvimento proximal”(VYGOTSKY, 1989), sem a preocupação excessiva da uniformidade e de uma rígida e burocrática seriação curricular? E não estaria, assim, mais de acordo com as novas formas de aprender e interagir, utilizando os novos recursos que o mundo de hoje oferece?

 

 

 

3. O aluno com necessidades educacionais especiais: educar para a autonomia

 

       Se o modelo educacional padronizante vigente em nossas escolas, o qual é baseado em padrões e limites de normalidade extremamente rígidos e arbitrários, já exclui muitos alunos considerados “normais”, muito mais ainda àqueles alunos com deficiências mais específicas e com limitações que dificultem sua interação com o meio.

       Por este motivo, fica difícil falar em uma verdadeira “educação inclusiva” sem uma crítica e uma transformação radical deste modelo padronizante, o qual não suporta as diferenças. Não basta apenas encontrar professores de boa vontade e bem intencionados. Apolônio do Carmo (2001) alerta que, os que forçam, sem outras ações simultâneas, uma prática de inclusão escolar no ensino regular de alunos com necessidades educacionais especiais, de forma indiscriminada, de forma “xiita”, expressão aqui entendida não como relativa a uma ação meramente radical, mas sim, principalmente, como uma ação desprovida de racionalidade, “forçam e colocam em prática uma ação completamente desarticulada e sem compromisso com a realidade objetiva das escolas regulares brasileiras”, porque, na realidade, segundo Carmo, “deixam de considerar que as escolas públicas e privadas na forma como se apresentam, historicamente, têm cumprido dentre outras funções a de perpetuar as desigualdades sociais” (CARMO, 2001).

      

Com muita freqüência a criança com alguma deficiência, por suas próprias limitações motoras, cognitivas, sensoriais e/ou sociais, agravadas por um tratamento paternalista não valorizador de suas potencialidades, cresce com uma restrita interação com o meio e a realidade que a cerca. Muitas vezes, se não for adequadamente estimulada, assume posições de passividade diante da realidade e na solução de seus próprios problemas diários. É condicionada a que outros resolvam os seus problemas e até pensem por ela. Como faz notar Valente:

 

As crianças com deficiência (física, auditiva, visual ou mental) têm dificuldades que limitam sua capacidade de interagir com o mundo. Estas dificuldades podem impedir que estas crianças desenvolvam habilidades que formam a base do seu processo de aprendizagem (VALENTE, 1991).

 

Se, conforme Piaget, as crianças em geral são construtoras do próprio conhecimento, quando possuem alguma deficiência essa construção, portanto, pode ser limitada pela restrição das suas interações com o ambiente. E é nessas interações que, segundo Papert (1994), através da ação física ou mental do indivíduo, se dão as condições para a construção do conhecimento. Sobre a importância, para o aprendizado, das interações no mundo, enfatiza Papert:

 

O Construcionismo, minha reconstrução pessoal do Construtivismo [...] atribui especial importância ao papel das construções no mundo como apoio para o que ocorreu na cabeça, tornando-se, deste modo, menos uma doutrina puramente mentalista (PAPERT, 1994).

 

E quando essas crianças com necessidades educacionais especiais ingressam em um sistema educativo tradicional, em uma escola tradicional, seja especial ou regular, freqüentemente vivenciam interações que reforçam uma postura de passividade diante de sua realidade, de seu meio. Freqüentemente, são submetidas a um paradigma educacional no qual elas continuam a ser o objeto, e não o sujeito, de seus próprios processos. Paradigma esse que, ao contrário de educar para a independência, para a autonomia, para a liberdade no pensar e no agir, reforça esquemas de dependência e submissão. São vistas e tratadas como receptoras de informações e não como construtoras de seus próprios conhecimentos.

Exatamente pelas dificuldades e atrasos que esses alunos com necessidades especiais frequentemente apresentam em seu desenvolvimento global, é vital, com muito mais ênfase nesses casos, oferecer-lhes um ambiente de aprendizagem que os ajude a abandonar essa postura passiva de receptores de conhecimento. Um ambiente onde sejam valorizadas e estimuladas a sua criatividade e iniciativa, possibilitando uma maior interação com as pessoas e com o meio em que vivem, partindo não de suas limitações e dificuldades, mas da ênfase no potencial de desenvolvimento que cada um traz em si, confiando e apostando nas suas capacidades, aspirações mais profundas e desejos de crescimento e integração na comunidade.

Para que o aprendiz seja, portanto, esse sujeito ativo na construção do próprio conhecimento, é vital que vivencie condições e situações nas quais ele possa, a partir de seus próprios interesses e dos conhecimentos específicos que já traga consigo, exercitar sua capacidade de pensar, comparar, formular e testar ele mesmo suas hipóteses, relacionando conteúdos e conceitos. E possa também errar, para que reformule e reconstrua suas hipóteses, depurando-as.

 

 

4. As Novas Tecnologias como ponte para a construção de um modelo educacional "enxuto" e para a construção da autonomia do aluno

 

       Para Valente (1999), a criação de uma pedagogia segundo uma visão “enxuta” de educação ainda está em fase embrionária, mas que já seria possível antever algumas características desse novo processo educacional.

 

Assim, comparativamente ao que acontece com os meios de produção e serviço, na Educação enxuta o aluno deve “puxar” os conteúdos, e a escola deve ser capaz de atender às demandas e necessidades dos alunos. O professor e os alunos devem ter autonomia e responsabilidade para decidir o como e o que deve ser tratado nas aulas. O aluno deve ser crítico, saber utilizar a constante reflexão e depuração para atingir níveis cada vez mais sofisticados de ações e idéias, e ser capaz de trabalhar em equipe e desenvolver, ao longo da sua formação, uma rede de pessoas e especialistas que o auxiliem no tratamento dos problemas complexos. O conteúdo não pode ser mais fragmentado ou descontextualizado da realidade ou do problema que está sendo vivenciado ou resolvido pelo aluno (VALENTE, 1999).

 

       As novas tecnologias, dependendo da forma como sejam utilizadas, podem ajudar a gerar as mudanças necessárias na Educação  e a construir um aluno autônomo e eficaz no seu processo de aprendizado. Como destaca Baethge:

 

Nenhuma sociedade pode se permitir excluir por muito tempo de suas instituições de formação importantes componentes de sua cultura cotidiana. Quanto mais as novas tecnologias de informação e comunicação se tornam um elemento constante de nossa cultura cotidiana, na atividade profissional como nos momentos de lazer, tanto mais elas têm, obviamente, que ser incorporadas aos processos escolares de aprendizado... O que importa é a questão como e quando as novas tecnologias devem ser incorporadas nas escolas.. (BAETHGE, 1989).

 

       Mas essa utilização das novas tecnologias na Educação deve apontar para a formação de um indivíduo capaz de pensar por si próprio e produzir conhecimento. Essas tecnologias devem ser vistas como ferramentas que estimulem o indivíduo a pensar de forma independente, a pensar sobre sua forma de pensar e a aprender a aprender.

       Baethge alerta que: “Só quem utiliza o computador como um meio auxiliar para a formação independente de juízos, emprega-o corretamente e com sucesso.” (BAETHGE, 1989)

       Essa busca ainda embrionária de uma educação transformada e transformadora, que responda aos anseios e necessidades do homem imerso na chamada sociedade do conhecimento, tem gerado inúmeras experiências que vão abrindo novos caminhos.

A idéia do aprendizado através de projetos, a chamada “pedagogia de projetos”, é um exemplo de uma forma de criar ambientes de aprendizagem informatizados abertos, com a finalidade de ir aprofundando conceitos e construindo os conhecimentos. Em nosso trabalho educacional utilizando o computador e a telemática na Educação Especial, diferentes conteúdos são desenvolvidos pelos alunos através de projetos. Verificamos que as novas tecnologias de informação e comunicação, as TIC, podem ser aliadas poderosas na construção de ambientes de aprendizagem ricos, que favoreçam o pensamento livre e autônomo do aluno.

No modelo educacional pelo qual optamos, em cada projeto desenvolvido, a ênfase não é colocada no produto que a pessoa realiza, mas no processo pelo qual ela atinge seus objetivos. Por isso, o erro deixa de ser algo passível de punição, e passa a ser um momento rico de reavaliação, de depuração, pelo aluno, de suas próprias hipóteses. Esta reavaliação e depuração é um momento privilegiado para o aprendizado, pois no momento em que revê suas hipóteses, que foram testadas por ele mesmo em seu projeto, fica desafiado, a partir da identificação e análise do seu erro, a elaborar novas hipóteses e novas estratégias para a solução dos problemas. Ele tem o interesse em descobrir a solução para as dificuldades que encontra, pois os objetivos a que deve chegar são definidos por ele mesmo e não impostos por outros. O aluno começa a pensar sobre sua forma de pensar. É importante também, nesse modelo, que o professor conheça melhor o seu aluno: "é imprescindível, para o facilitador, o conhecimento sobre o aluno, sua história, seu meio social, sua forma e estilo de interagir e construir o conhecimento." (GALVÃO FILHO, 2001). Somente assim poderá intervir no sentido do desenvolvimento do pensamento autônomo desse aluno.

Manipulando preferencialmente softwares e sistemas abertos, ou seja, aqueles que permitam ao aluno o desenvolvimento de projetos em diferentes áreas do conhecimento (software de autoria, por exemplo), recorrendo, para isto, a sua criatividade e mecanismos internos de construção desse conhecimento e resolução de problemas, estaremos, com mais facilidade, trabalhando segundo esse modelo proposto.

Para exemplificar, se pensarmos em atividades que objetivem o desenvolvimento da leitura e da escrita, ou mesmo de outros conteúdos e conceitos, os alunos podem trabalhar, por exemplo, com projetos de criação, redação e leitura de histórias, utilizando, entre várias opções:

 

 

E, da mesma forma, diferentes conteúdos podem ser desenvolvidos através de outros projetos, definidos juntos por alunos e professor, mas a partir das necessidades e interesses dos alunos, utilizando os mais variados recursos computacionais abertos, facilmente encontrados e manipulados hoje, quando se construiu e se está inserido, cada vez mais, em uma cultura digital. Esses projetos podem incluir atividades tais como a construção individual ou coletiva de páginas na Internet, ou o desenvolvimento de temas atuais utilizando recursos multimídia, ou pesquisas relacionadas com as problemáticas diárias vividas pelo aluno, utilizando a Web, editores gráficos e de texto, software de autoria, etc, etc. O grau de complexidade dos projetos pode variar, desde o mais simples e elementar, até um mais complexo e sofisticado, sempre em função do potencial cognitivo e capacidade de abstração do aluno, mas, ao mesmo tempo, sempre num patamar que o desafie a produzir saltos de qualidade em seus conhecimentos e capacidades atuais.

É importante destacar que, na aprendizagem através de projetos, como unidade de trabalho, conteúdos de diferentes áreas estarão sendo trabalhados, de forma interdisciplinar, no desenvolvimento de um mesmo projeto. É vital que o facilitador tenha a sensibilidade de ajudar o aluno a explicitar esses conteúdos. Nas palavras de Prado:

 

De um modo geral, o desenvolvimento de um projeto computacional pode abranger vários domínios na sua constituição, propiciando uma interação entre as diversas áreas do conhecimento. Assim, a atividade de produzir um projeto computacional evidencia características de uma aprendizagem interdisciplinar (PRADO, 1999).

 

Na construção de projetos, professor e alunos engajam-se, com uma perspectiva interdisciplinar, numa relação cooperativa de interações e intercâmbios, entrando o aluno com todas as suas vivências e conhecimentos anteriores sobre os temas tratados, e o professor ajudando a explicitar os conceitos que vão sendo intuitiva ou intencionalmente manipulados no desenvolvimento dos trabalhos e das novas descobertas. E se pensarmos em termos de rede, de internet, essa parceria na construção de projetos extrapola a relação restrita entre aluno e professor, para ampliar-se sem fronteiras em direção a inúmeras outras interações, fontes, parcerias, convergindo para o que Pierre Lévy chama de aprendizagem cooperativa. Nessa perspectiva, ressalta Lévy que:

 

Os professores aprendem ao mesmo tempo que os estudantes e atualizam continuamente tanto os seus saberes 'disciplinares' como suas competências pedagógicas [...] A partir daí, a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento (LÉVY, 1999).

 

O trabalho de forma interdisciplinar nem sempre é fácil, principalmente porque estamos por demais acostumados a uma visão compartimentada do conhecimento. Como comenta Prado:

 

[...] acredito que a efetivação de um trabalho interdisciplinar depende, essencialmente, do rompimento de uma visão fragmentada e hierarquizada do conhecimento. Em outras palavras, a interdisciplinaridade depende de mudanças de concepções, valores e, conseqüentemente, de atitudes (PRADO, 1999).

 

No desenvolvimento de projetos cooperativos a Educação apropria-se de um dos recursos mais humanizantes das novas tecnologias, que é a possibilidades da execução de projetos via rede. Como destacam Almeida e Fonseca Júnior:

 

A grandeza da informática não está na capacidade que ela tem de aumentar o poder centralizado nem na sua força para isolar as pessoas em torno da máquina [...] A grandeza da informática encontra-se no imenso campo que abre à cooperação. É uma porta para a amizade, para a criação de atividades cooperativas, para a cumplicidade de críticas solidárias aos governos e os poderes opressores ou injustos. Enfim, as redes informatizadas propiciam a solidariedade e a criação e desenvolvimento de projetos em parcerias (ALMEIDA e FONSECA JÚNIOR, 2000).

 

A criação de um ambiente educacional informatizado aberto, que propicia uma intensiva participação criativa e cooperativa dos alunos com necessidades educacionais especiais, tem apresentado resultados tais como uma "...maior motivação e entusiasmo dos alunos para atividades educacionais", "...aumento da interação do aluno com o meio em que vive", além do "...desenvolvimento do seu raciocínio lógico-dedutivo". (GALVÃO FILHO, 1995)

       Trabalhando desta maneira, o aluno estará utilizando diferentes recursos computacionais e telemáticos, mas dentro de um mesmo paradigma valorizador de suas capacidades e iniciativa. E o computador e a telemática serão utilizados como recursos, ou como um ambiente (em se tratando de Internet), através dos quais esse aluno irá construindo o seu conhecimento. É superada, portanto, a concepção do computador como uma "máquina de ensinar", na qual eram introduzidas informações, para que depois fossem repassadas, "ensinadas", ao aprendiz. Com essa metodologia não é, portanto, o computador que ensina o aluno, mas sim o aluno que aprende "ensinando o computador", ou seja, criando, desenvolvendo novos projetos.

       Outro recurso proporcionado pelas novas tecnologias para a autonomia, para o processo de aprendizagem e para a inclusão social da pessoa com necessidades educacionais especiais, são as adaptações de acessibilidade, a chamada Tecnologia Assistiva.

       Como vimos anteriormente, freqüentemente as limitações físicas ou sensoriais da pessoa com deficiência tendem a tornar-se um obstáculo para o seu processo de aprendizagem. Também com frequência são fontes de exclusões e preconceitos.

 

Desenvolver recursos de Tecnologia Assistiva também pode significar combater esses preconceitos, pois, no momento em que lhe são dadas as condições para interagir e aprender, explicitando o seu pensamento, o indivíduo com deficiência mais facilmente será tratado como um "diferente-igual"... Ou seja, "diferente" por sua condição de portador de necessidades especiais, mas ao mesmo tempo "igual" por interagir, relacionar-se e competir em seu meio com recursos mais poderosos, proporcionados pelas adaptações de acessibilidade de que dispõe. É visto como "igual", portanto, na medida em que suas "diferenças" cada vez mais são situadas e se assemelham com as diferenças intrínsecas existentes entre todos os seres humanos. Esse indivíduo poderá, então, dar passos maiores em direção a eliminação das discriminações, como consequência do respeito conquistado com a convivência, aumentando sua auto-estima, porque passa a poder explicitar melhor seu potencial e pensamentos (GALVÃO FILHO e DAMASCENO, 2001).

 

Por esse motivo, muitas vezes é necessário recorrer a diferentes tipos de adaptações que facilitem, ou mesmo possibilitem, a interação do aluno com seu ambiente, principalmente quando se tratam de alunos com alguma deficiência motora ou sensorial. Essas adaptações podem ser ou adaptações físicas e órteses, ou adaptações de hardware, ou softwares especiais de acessibilidade (mais informações em: www.galvaofilho.net/assistiva/assistiva.htm). Nesses casos as novas tecnologias podem ser utilizadas também como sistemas auxiliares ou próteses para a comunicação.

Em muitos casos o uso dessas tecnologias tem se constituído na única maneira pela qual diversas pessoas podem comunicar-se com o mundo exterior, podendo explicitar seus desejos e pensamentos. É o caso, por exemplo, de um aluno nosso, com 37 anos de idade, que começa agora, através dessas adaptações, a poder expressar melhor todo o seu potencial cognitivo, iniciando a aprender a ler e escrever. Esse aluno, que é tetraplégico, consegue utilizar o computador através de um programa especial que lhe possibilita transmitir seus comandos somente por meio de sopros em um microfone. Isto lhe tem permitido agora, pela primeira vez na vida, escrever, desenhar, jogar e realizar diversas atividades que antes lhe eram impossíveis. Ou seja, horizontes totalmente novos lhe foram abertos, possibilitando que sua inteligência, antes aprisionada por um corpo extremamente limitado, encontrasse novos canais de expressão e desenvolvimento.

Da mesma forma, diferentes alunos fazem uso de outras adaptações, em função das necessidades específicas de cada um, tais como: máscaras de teclado (colméias), estabilizador de punho, abdutor de polegar, simuladores de teclado, simulador de mouse, opções de acessibilidade do Windows e outras. Como faz notar Capovilla:

 

Já temos no Brasil um acervo considerável, e em acelerado crescimento, de recursos tecnológicos que permitem aperfeiçoar a qualidade das interações entre pesquisadores, clínicos, professores, alunos e pais na área da Educação Especial, bem como de aumentar o rendimento do trabalho de cada um deles (CAPOVILLA, 1997).

 

 

5. Conclusões

 

       Com todos os significativos benefícios que apresentamos acima, os quais vivenciamos diariamente em nosso trabalho, poderíamos concluir, então, que as TIC são, inquestionavelmente, sempre um fator de inclusão social do aluno com necessidades educacionais especiais?

       Certamente que não. Não podemos fazer essa afirmação, assim, de forma generalizada, por tudo o que foi colocado anteriormente sobre a situação da educação escolar no nosso país.

       Existem, como já colocamos, inúmeras formas de utilização das TIC que enriquecem, de forma muito significativa, o processo de inclusão social desses alunos. Mas também existem, infelizmente, outras formas que podem causar o efeito exatamente contrário. Ou seja, a exclusão social, a falta de iniciativa, a passividade e a dependência do aluno.

       Quando o computador, por exemplo, é “enxertado” dentro de uma prática escolar tradicional, dentro de um modelo "instrucionista", padronizante, que valoriza quase que exclusivamente o repasse de “pacotes de informação” e a memorização, esse computador é normalmente utilizado como uma "máquina de ensinar", com as informações sendo colocadas dentro da máquina, utilizando software "fechados", para que depois sejam repassadas aos alunos, que as recebem e memorizam, de forma passiva, através de tutoriais ou exercícios multimídia, com cores, animações, músicas e outros sons, etc. Então, o computador é comemorado como um novo "chamariz" para motivar e atrair a atenção do aluno para o estudo... Mas, na verdade, está sendo utilizado como uma nova "maquiagem" que disfarça o velho e decrépito modelo, atrasando ainda mais as transformações estruturais necessárias. O computador, utilizado dessa forma, torna-se mais um obstáculo para o verdadeiro aprendizado significativo do aluno, porque reforça e acrescenta algum tempo de sobrevida ao moribundo modelo educacional tradicional, que é cada vez mais estéril.

       Esta seria, portanto, uma forma de reforço da exclusão social, na medida em que reforça a passividade e a dependência. Educar para a autonomia e para o pensamento livre, utilizando as TIC, como já vimos, seria algo totalmente diferente. Como destaca Perrenoud:

 

Formar para as novas tecnologias é formar o julgamento, o senso crítico, o pensamento hipotético e dedutivo, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de memorizar e classificar, a leitura e a análise de textos e de imagens, a representação de redes, de procedimentos e de estratégias de comunicação (PERRENOUD, 2000).

 

       Outros fatores são apontados pelos críticos das TIC como fatores de exclusão social, mas, às vezes, sem a devida fundamentação. O mais elementar deles refere-se ao fato de que o acesso às TIC ainda é restrito a, relativamente, poucas pessoas. Neste caso, é importante destacar que o fator de exclusão não é a tecnologia em si mesma, mas sim a dificuldade de acesso a ela, para uma parcela elevada da população, assim como a necessidade da disponibilização de capacitação básica para o seu manuseio.

       Se, por um lado, é verdadeiro que esse acesso ainda não é majoritário no caso da realidade brasileira, por outro lado, tudo leva a crer que, assim como ocorreu com outras tecnologias (TV, vídeo, etc), este acesso tende a popularizar-se e massificar-se rapidamente. Esse raciocínio é confirmado também por diversas políticas oficiais que visam o barateamento e o acesso massivo às novas tecnologias, tanto na educação como em outros setores da sociedade brasileira.

       Como outro aspecto levantado pelos críticos das TIC, colocando-as como fator de exclusão social, é inquestionavelmente verdadeiro que essas tecnologias, colocadas a serviço do modelo econômico neoliberal e hegemônico, têm ampliado os efeitos nefastos do capitalismo, causando um aumento significativo do desemprego. Como faz notar Jane Kenway:

 

A revolução digital tem contribuído para o alto grau de redundância e de obsolescência de empregos na indústria e, de forma crescente, no setor de serviços; para o declínio das classes médias e gerenciais; para um contínuo e massivo desemprego e para a emergência de uma permanente subclasse (KENWAY, 1999).

 

       Porém, parece-nos evidente que os poderes hegemônicos conservadores sempre farão uso das novas descobertas e tecnologias para o benefício dos seus interesses, segundo sua lógica injusta e desigual. Sempre fizeram isto em relação a outras tecnologias na história e continuarão sempre tentando fazê-lo, também hoje. A grande novidade hoje, é que essas TIC possuem características particulares e especiais que possibilitam utilizá-las, de forma eficiente, também contra esses poderes hegemônicos, em oposição frontal a eles. E isto já tem sido feito, claro que ainda de forma incipiente, em diferentes frentes de ação: seja através da Educação, quando esta toma posse das tecnologias para a formação de um cidadão crítico, com um pensamento livre e criativo; ou seja através do caráter "anárquico" da Internet, onde as minorias e maiorias oprimidas podem expressar livremente seus valores e necessidades, o que lhes é barrado na grande mídia; ou ainda através das redes virtuais de cooperação, informacão, denúncia, fóruns, ou de outras frentes.

       Entretanto, em relação à educação, como coloca Perrenoud:

 

A verdadeira incógnita é saber se os professores irão apossar-se das tecnologias como um auxílio ao ensino, para dar aulas cada vez mais bem ilustradas por apresentações multimídia, ou para mudar de paradigma e concentrar-se na criação, na gestão e na regulação de situações de aprendizagem (PERRENOUD, 2000, grifo nosso).

 

       E essa mudança significa tornar o aluno, cada vez mais, sujeito de seus próprios processos. Contudo, não é possível restringir a reflexão e os processos apenas ao contexto da educação escolar. É necessário ampliar os questionamentos ao âmbito de toda a sociedade, com seus dramas e contradições. Por exemplo, mesmo com todos os avanços alcançados em nossa sociedade, com a utilização das TIC para a construção de paradigmas mais pluralistas e permeáveis à diversidade, ainda fica como uma das grandes contradições internas e como um grande desafio para o capitalismo hegemônico, esta imensa dívida social: a conquista do pleno emprego.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA, Fernando José de e FONSECA JÚNIOR, Fernando. Aprendendo com projetos. Brasília, PROINFO/MEC, 2000.

 

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Campinas, Cortez, 1995.

 

BAETHGE, Martin. Novas tecnologias, perspectivas profissionais e autocompreensão cultural: desafios e formação. Revista Educação&Sociedade, 1989, p. 07-26.

 

BRUNER, J. S. Tradução adaptada. Nature and use of immaturity. In: Bruner, J. S., Jolly, A. e Sylvia, K. Play – its role in development and evolution. Penguin Books, 1976.

 

CAPOVILLA, Fernando C. Pesquisa e desenvolvimento de novos recursos tecnológicos para educação especial: boas novas para pesquisadores, clínicos, professores, pais e alunos. Boletim Educação/ UNESP, n. 1, 1997.

 

CARMO, Apolônio A. do. Inclusão escolar: roupa nova em corpo velho. Revista INTEGRAÇÃO, Brasília, MEC, ano 13, n. 23, p. 43-48, 2001.

 

GALVÃO FILHO, Teófilo A. e DAMASCENO, Luciana L. Recursos de acessibilidade: as novas tecnologias como tecnologia assistiva. In: Biblioteca Virtual – Artigos e Texto, PROINFO/MEC, 2001.

 

GALVÃO FILHO, Teófilo A. Educação Especial e novas tecnologias: o aluno construindo sua autonomia. Revista INTEGRAÇÃO, Brasília, MEC, ano 13, n. 23, p. 24-28, 2001.

 

GALVÃO FILHO, Teófilo A. Informática: novos caminhos na educação. Salvador, Anais do XII Congresso Nacional da Associação Brasileira de Paralisia Cerebral, ABPC, 1995.

 

KENWAY, Jane. Educando cibercidadãos que sejam “ligados” e críticos. In SILVA, L. H. A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis, Vozes, 1999.

 

LEITE, Marcia de Paula. O futuro do trabalho. São Paulo, Scritta, 1994.

 

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Ed. 34, 1999.

 

MANTOAN, Maria Teresa E. Ser ou estar: eis a questão. Explicando o déficit intelectual. Rio de Janeiro, WVA Editores, 1997.

 

PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.

 

PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre, Artes Médicas, 2000.

 

PRADO, Maria Elisabette B. B. O uso do computador na formação do professor. Brasília, PROINFO/MEC, 1999.

 

PRETTO, Nelson L. Uma escola sem/com futuro: educação e multimídia. Campinas: Papirus, 1996.

 

VALENTE, José Armando. (Org.), O computador na sociedade do conhecimento. Campinas, UNICAMP, 1999.

 

VALENTE, José Armando. (Org.), Liberando a mente: computadores na educação especial. Campinas, UNICAMP, 1991.

 

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

 

 

Para citar este artigo:

 

GALVÃO FILHO, T. As novas tecnologias na escola e no mundo atual: fator de inclusão social do aluno com necessidades especiais? In: Anais do III Congresso Ibero-Americano de Informática na Educação Especial. Fortaleza: MEC, 2002. 

 

 

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